terça-feira, 16 de novembro de 2010

Texto base do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher

APRESENTAÇÃO

O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher foi lançado em agosto de 2007 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como parte da Agenda Social do Governo Federal e consiste num acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações que visem à consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da implementação de políticas públicas integradas em todo território nacional.

O Pacto apresenta uma estratégia de gestão que orienta a execução de políticas de enfrentamento à Violência contra Mulheres, no sentido de garantir a prevenção e o combate à violência, a assistência e a garantia de direitos às mulheres. A proposta é organizar as ações pelo enfrentamento à violência contra mulheres, com base em quatro eixos/áreas estruturantes (Implementação da Lei Maria da Penha e Fortalecimento dos Serviços Especializados de Atendimento; Proteção dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e Implementação do Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da aids; Combate à Exploração Sexual e ao Tráfico de Mulheres; Promoção dos Direitos Humanos das Mulheres em Situação de Prisão); alinhando aspectos técnicos, políticos, culturais, sociais e conceituais acerca do tema, orientando procedimentos, construindo protocolos, normas e fluxos que institucionalizem e garantam legitimidade aos serviços prestados e às políticas implementadas.

Tendo em vista a complexidade de questões que envolvem mulheres em situação de violência e visando propor soluções às causas estruturais e históricas que desencadeiam a situação em si, o debate é pautado e a responsabilidade é assumida por diferentes áreas de governo (planejamento, orçamento, justiça, educação, saúde, assistência social, trabalho, segurança pública, cultura, entre outros). Além disso, o Pacto prevê a articulação entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, no sentido de garantir o atendimento integral e o ciclo completo da política pública de enfrentamento à violência contra as mulheres.

1. Contextualização do tema

O fenômeno da violência doméstica e sexual praticado contra mulheres constitui uma das principais formas de violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física. A Constituição Federal, em seu art. 226, parágrafo 8º assegura “a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”, assumindo, dessa forma, que o Estado brasileiro tem um papel a cumprir no enfrentamento a qualquer tipo de violência, seja ela praticada contra homens ou mulheres, adultos ou crianças.

Homens e mulheres, porém, são atingidos pela violência de maneira diferenciada. Enquanto os homens tendem a ser vítimas de uma violência predominantemente praticada no espaço público, as mulheres sofrem cotidianamente com um fenômeno que se manifesta dentro de seus próprios lares, na grande parte das vezes praticado por seus (ex)- companheiros. Pesquisa recente realizada pelo Instituto Sangari e coordenada por Julio Jacobo Waiselfisz (“Mapa da Violência – 2010. Anatomia dos Homicídios no Brasil”) mostra que “em dez anos, 1997 a 2007 foram 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídios - índice 4.2 assassinadas por 100.000 mil habitantes”.

A violência contra a mulher em todas as suas formas (psicológica, física, moral, patrimonial, sexual, tráfico de mulheres) é um fenômeno que atinge mulheres de diferentes classes sociais, origens, regiões, estados civis, escolaridade ou raças. Faz-se necessário, portanto, que o Estado brasileiro adote políticas públicas, acessíveis a todas as mulheres, que englobem as diferentes modalidades pelas quais ela se expressa. Nessa perspectiva, devem ser também consideradas as ações de combate ao tráfico de mulheres, jovens e meninas.

Ainda que seja um fenômeno reconhecidamente presente na vida de milhões de brasileiras, não existem estatísticas sistemáticas e oficiais que apontem para a magnitude deste fenômeno. Alguns poucos estudos, realizados por institutos de pesquisa não governamentais, como a Fundação Perseu Abramo, apontam que aproximadamente 20% das mulheres já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica. Quando estimuladas por meio da citação de diferentes formas de agressão, esse percentual sobe para 43%. Um terço afirma, ainda, já ter sofrido algum tipo de violência física, seja ameaça com armas de fogo, agressões ou estupro conjugal. Outras pesquisas indicam, também, a maior vulnerabilidade de mulheres e meninas ao tráfico e à exploração sexual. Segundo a Unesco, uma em cada três ou quatro meninas é abusada sexualmente antes de completar 18 anos.

Uma importante fonte de informações sobre a questão é a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 que foi criada em novembro de 2005 pela SPM para orientar as mulheres em situação de risco de violência sobre seus direitos e onde buscar ajuda, bem como para auxiliar no monitoramento da rede de atenção à mulher em todo o país. Mesmo não oferecendo dados que permitam construir um diagnóstico sobre a violência contra as mulheres no país, a Central oferece uma visão geral das características deste fenômeno e de sua magnitude. Importante destacar que não se trata de um conjunto de informações estatisticamente representativas do universo, mas de registros dos atendimentos efetuados neste serviço, o que, por si só, já produz vieses que não podem ser desconsiderados na análise.

A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 registrou, de janeiro a junho de 2010. 343.063 atendimentos, o que representa um aumento de 112% em relação ao mesmo período de 2009 (161.774). As ameaças foram verificadas em 8.913 situações. É a segunda maior manifestação de crime relatado pelas cidadãs que acessam a Central, precedida apenas pelo crime de lesão corporal. Das pessoas que entraram em contato com o serviço, 14,7% disseram que a violência sofrida era exercida por ex-namorado ou ex-companheiro, 57,9% estão casadas ou em união estável e em 72,1% dos casos, as mulheres relatam que vivem junto com o agressor. Cerca de 39,6% declararam que sofrem violência desde o início da relação; 38% relataram que o tempo de vida conjugal é acima de 10 anos; e 57% sofrem violência diariamente. Em 50,3% dos casos, a mulheres dizem correr risco de morte. Os crimes de ameaça somados à lesão corporal representam cerca de 70,0% dos registros do Ligue 180. Dados da Segurança Pública também apontam estes dois crimes como os de maior incidência nas Delegacias. O percentual de mulheres que declaram não depender financeiramente do agressor é de 69,7%. Os números mostram que 68,1% dos filhos presenciam a violência e 16,2% sofrem violência junto com a mãe.

Se os dados ainda são insuficientes, a percepção social de que a violência doméstica é um problema da maior gravidade aponta para o reconhecimento de sua existência e das sérias conseqüências que atingem – física e psicologicamente – as mulheres vitimadas. Pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Ibope, em maio de 2006, mostra que, para 33% da população brasileira com 16 anos ou mais de idade, a violência contra as mulheres (dentro e fora de casa) é percebida como o problema que mais preocupa a população feminina na atualidade. Para 55% da população, este é um dos três principais problemas que afligem as mulheres. Além disso, 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que foi agredida pelo seu companheiro, ratificando dados da OMS segundo os quais metade dos crimes cometidos contra as mulheres no mundo é de autoria de seus (ex) companheiros.

Diante da dimensão do problema da violência doméstica, tanto em termos do alto número de mulheres atingidas quanto das conseqüências psíquicas, sociais e econômicas, e em resposta às recomendações ao Estado brasileiro do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW/ONU) e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 2006 o Brasil passou a contar com uma lei específica para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 ou Lei Maria da Penha). A partir da Lei, os crimes passam a ser julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, instrumentos criados a partir dessa legislação, ou, enquanto estes não existirem, nas Varas Criminais. Dentre outras conquistas importantes, valem citar: a tipificação dos tipos de violência doméstica, que pode ser física, sexual, patrimonial, psicológica e moral; proibição da aplicação de penas pecuniárias aos agressores e a pena a eles imputada que era de até 1 ano passa a ser de até 3 anos; e determinação de encaminhamentos das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.

Além dos marcos legais nacionais e internacionais sobre o tema, o Pacto é respaldado, ainda, pelos I e II Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (2004 e 2008) - que contêm, entre as suas áreas estratégicas de atuação, a questão do enfrentamento à violência contra as mulheres e pela Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que estabelece os conceitos, os princípios, as diretrizes e as ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia de direitos às mulheres em situação de violência.

2. Conceito

O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres parte do entendimento de que a violência constitui um fenômeno de caráter multidimensional, que requer a implementação de políticas públicas amplas e articuladas nas mais diferentes esferas da vida social, como na educação, no mundo do trabalho, na saúde, na segurança pública, na assistência social, na justiça, na assistência social, entre outras (diagrama abaixo). Esta conjunção de esforços deve resultar em ações que, simultaneamente, desconstruam as desigualdades e combatam as discriminações de gênero, interfiram nos padrões sexistas/machistas ainda presentes na sociedade brasileira e promovam o empoderamento das mulheres. O presente Pacto compreende, assim, não apenas a dimensão do combate aos efeitos da violência contra as mulheres, mas também as dimensões da prevenção, assistência, proteção e garantia dos direitos daquelas em situação de violência, bem como o combate à impunidade dos agressores.

O Pacto e as ações nele propostas apóiam-se em três premissas: a) a transversalidade de gênero; b) a intersetorialidade; c) a capilaridade. A transversalidade de gênero visa garantir que a questão de violência contra a mulher e de gênero perpasse as mais diversas políticas públicas setoriais. A intersetorialidade, por sua vez, compreende ações em duas dimensões: uma horizontal, envolvendo parcerias entre organismos setoriais e atores em cada esfera de governo (ministérios, secretarias, coordenadorias, etc.); e outra vertical, o que implica uma maior articulação entre políticas nacionais e locais em diferentes áreas (saúde, justiça, educação, trabalho, segurança pública, etc). Desta articulação decorre a terceira premissa que diz respeito à capilaridade destas ações, programas e políticas, levando a proposta de execução de uma política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres até os níveis locais de governo, em parceira com os municípios.


3. ObjetivosOs objetivos do Pacto Nacional têm por base a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que define os objetivos gerais e específicos do enfrentamento à violência.

3.1. Geral:
Enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres a partir de uma visão integral deste fenômeno.
OBS: O enfrentamento inclui as dimensões da prevenção, assistência, combate e garantia de direitos previstas na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
3.2. Específicos:
• Reduzir os índices de violência contra as mulheres;
• Promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero e de valorização da paz;
• Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência considerando as questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional.

4. Foco
O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres desenvolverá políticas direcionadas, prioritariamente, às mulheres em situação de violência. Será conferida atenção especial às mulheres rurais, negras e indígenas, em função da situação de dupla ou tripla discriminação a que estão submetidas e em virtude de sua maior vulnerabilidade social.

É importante destacar que o conceito de violência aqui adotado é bastante amplo, referindo-se à violência doméstica (física, moral, sexual, patrimonial, psicológica), à violência institucional, ao assedio sexual e ao trafico de mulheres.


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